MCTIC emite nota contrária ao aumento de potência das RadCom
O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações emitiu nesta terça, 25 de junho, uma Nota Técnica contrária ao Projeto de Lei nº 513/2017 que trata do aumento de potência e utilização mais dois canais além do prefixo 87,9Mhz.
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA, INOVAÇÕES E COMUNICAÇÕES
Secretaria de Radiodifusão
NOTA TÉCNICA Nº 14440/2018/SEI-MCTIC
Nº do Processo: 01250.007834/2018-02
Documento de Referência: Despacho Interno ASPAR 308866
Assunto: Manifestação quanto ao teor do PLS nº 513, de 2017
SUMÁRIO EXECUTIVO
1. Trata-se de manifestação formal da Secretaria de Radiodifusão, em virtude da solicitação
da Subchefia de Assuntos Parlamentares - SUPAR, quanto ao teor do PLS nº 513, de 2017, que propõe a
alteração da Lei nº 9.612, de 19 de fevereiro de 1998, que instituiu o Serviço de Radiodifusão Comunitária.
ANÁLISE
2. A eminente Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do
Senado Federal submete à aprovação plenária o PLS nº 513, de 2017, de autoria do Senador Hélio José, do
PROS/DF, relatado pelo Senador Otto Alencar, do PSD/BA. O projeto de lei propõe modificar dois pontos
principais da Lei nº 9.612, de 1998, que instituiu o serviço de radiodifusão comunitária. Essas modificações
consistem em: i) aumentar a potência máxima de transmissão das rádios comunitárias de 25 para 300 watts
(art. 1º, §1º); e ii) reservar, a nível nacional, três canais exclusivos para execução do serviço, no lugar de um
só, como é feito hoje (art. 5º).
3. Indubitavelmente, o projeto nasce de uma aguda sensibilidade à causa das rádios
comunitárias e demonstra profunda consciência do quão estratégico esse serviço é para o desenvolvimento
nos locais com déficit de serviços de comunicação de massa e de representatividade/diversidade na mídia.
No entanto, as alterações propostas partem de uma compreensão equivocada do sistema brasileiro de
radiodifusão – particularmente no que diz respeito à convivência harmônica entre os sistemas público,
privado e estatal – e ameaçam o delicado equilíbrio de distribuição de canais no espectro radioelétrico, que
garante o bom funcionamento das emissoras de rádio e televisão, sem interferências indesejadas.
4. A aprovação do PLS nº 513, de 2017, ao invés de fortalecer o serviço de radiodifusão
comunitária, traria consequências muito negativas para o setor e para outros serviços de radiodifusão. Os
fatos e os motivos serão explicados a seguir.
5. Dos argumentos técnicos:
O serviço de radiodifusão comunitária não goza de proteção legal contra interferências e
deve ser interrompido sempre que afetar o funcionamento de outras emissoras legalmente
outorgadas. Apesar disso, o Governo Federal, interessado em promover o crescimento do
serviço, criou algumas regras para convivência entre as estações, na tentativa de
proporcionar um contorno mínimo de cobertura, no qual o sinal da rádio comunitária
poderia ser recebido livremente, com menos suscetibilidade a interferências. Esse
contorno corresponde à área de 1 km em torno da antena transmissora e, para assegurar
essa relação de proteção, é necessário que a potência efetiva do sistema irradiante esteja
limitada a 25 watts e que as rádios comunitárias guardem uma distância de, no mínimo, 4
km entre si. Se alguma dessas condições não for atendida, poderá ocorrer interferências
prejudiciais, ocasionando, até mesmo, a interrupção total do serviço.
Na proposta do PLS nº 513, de 2017, o contorno interferente passaria a ser de cerca de 9
km, conforme cálculos realizados pela Anatel. Para garantir uma efetiva prestação deste
serviço, infere-se uma distância de 18 km de distanciamento entre duas estações, para
que não haja interferências prejudiciais entre elas. Levando-se em consideração este
cenário, a proposta do Projeto de Lei, ao invés de expandir o alcance das rádios
comunitárias, poderia vir a inviabilizar o serviço para muitas outras emissoras, trazendo
um grande prejuízo à população.
Como exemplo prático, tem-se o caso do Distrito Federal, que possui 34 emissoras
autorizadas a executar o serviço de radiodifusão comunitária. Caso a potência de uma
emissora for aumentada para 300 watts, cerca de 13 outras rádios comunitárias estariam
suscetíveis a interferências. Vale a pena frisar que apenas uma emissora poderia vir a
inviabilizar o sinal de mais de um terço das rádios comunitárias autorizadas na mesma
localidade. Portanto, pode-se afirmar que o serviço de RadCom ficaria inviabilizado na
capital federal, caso a potência fosse aumentada para 300 watts, como propõe o referido
Projeto de Lei.
O problema é agravado ainda mais se analisarmos a questão sob a ótica de um município
de médio porte, como Maringá/PR, que possui três rádios comunitárias. Se a potência for
aumentada para 300 watts, não haverá possibilidade de convivência técnica entre elas,
pois todas se encontram a menos de 7 km de distância uma das outras. Ou seja, tomando
como exemplo uma capital, de cerca de 3 milhões de habitantes, e um município de
médio porte, com 700 mil habitantes, ao invés de se ofertar um serviço de melhor
qualidade para a população, o aumento de potência acabaria por prejudicar
significativamente a qualidade do sinal, quando não inviabilizar de todo a prestação do
serviço, em virtude da interferência causada entre as próprias estações de rádios
comunitárias. As figuras abaixo exemplificam a situação atual e a sugerida no PLS nº 513:
Aumentar a quantidade de canais, conforme consta na proposta de alteração do art. 5º da
Lei nº 9.612, de 1998, tampouco oferece uma solução viável para o problema. Isso
porque não há como garantir a destinação de três frequências de FM para o serviço de
RadCom em todas as localidades do país, principalmente nas maiores cidades, que são
justamente as que mais precisariam lançar mão desse recurso. Além disso, mesmo com
três canais, o número de rádios comunitárias viáveis continuaria a ser menor do que o
atual, em grande parte dos casos.
Conforme a Resolução da Anatel nº 67, de 1998, existem 4 tipos de interferências entre
as estações de FM e as estações de radiodifusão comunitária, classificadas da seguinte forma:
0 - Interferência co-canal: entre canais com portadora na mesma freqüência;
±1 - Interferência primeiro adjacente: entre canais com portadoras deslocadas de
±200 kHz;
±2 - Interferência segundo adjacente: entre canais com portadoras deslocadas de ±400
kHz;
e
FI - Interferência de batimento de FI: entre canais com portadoras deslocadas de
±10600 ou 10800 kHz.
Na tabela V da citada Resolução, copiada abaixo, são apresentadas as distâncias que
servem como referência para elaboração de estudos, obtidas para o canal 200 e sem o uso
de ferramentas computacionais, contemplando as 4 possíveis interferências:
Deste modo, ao se designar um canal no espetro para o serviço de FM, os dois canais
adjacentes superiores e inferiores, além dos canais de batimento de FI, não podem ser
designados para nenhum outro serviço, por serem considerados canais interferentes. Para
demonstrar esse cenário, foram utilizados como exemplo, aleatoriamente, os canais 200,
240 e 272, conforme tabela abaixo:
Nesta situação, observa-se que, ao obrigar a destinação de três canais para emissoras
comunitárias em determinado município, outros 18 canais na faixa de FM
seriam inviabilizados para utilização.
Há que se ter em consideração que o espectro radioelétrico é um recurso limitado, cuja
escassez determina as possibilidades de sua utilização. A proposta de se aumentar a
potência das rádios comunitárias, com a destinação de três canais para o serviço, não é o
arranjo mais eficiente para o emprego desse bem público. O Plano de Referência de Distribuição de Canais foi elaborado com base nas atuais características do Serviço de RadCom, e poderá não ser capaz de absorver o impacto do projeto de lei. É possível que a modificação das características das rádios comunitárias cause interferências, não só entre elas, mas também com as próprias rádios comerciais. Se isso realmente vier a ocorrer, o sinal das comunitárias, que não tem direito à proteção, será imediatamente
interrompido pelo órgão fiscalizador. Se a interferência não for corrigida, a autorização
da rádio comunitária poderá até ser revogada.
Vale lembrar, ainda, que o espectro de FM já está bem congestionado. Com a publicação
do Decreto nº 8.139, de 2013, as emissoras que prestam o serviço de radiodifusão em
AM puderam migrar para FM. Até o momento cerca de 700 emissoras assinaram o termo
aditivo para adaptarem a suas outorgas para FM, e outras 600 possuem processo em
tramitação. No estudo para inclusão desses novos canais, foi considerada a característica
técnica das emissoras comunitárias de acordo com a legislação em vigência. Com o
aumento de potência pretendido pelo PLS nº 513, o sinal das emissoras que fizeram a
migração para FM poderá sofrer interferências das rádios comunitárias. Nesse caso,
novamente, o sinal comunitárias poderá ser interrompido, e a outorga, em última
instância, revogada, nos termos da Resolução Anatel nº 60/1998.
6. Dos argumentos jurídicos:
As implicações negativas do PLS 513, de 2017, não se restringem, contudo, aos
problemas de ocupação do espectro radioelétrico. Em verdade, a alteração da potência e a
destinação de mais canais para o serviço de RadCom podem mudar as próprias
características do serviço, de forma a desfigurar-lhe as finalidades e romper o equilíbrio
entre os sistemas de radiodifusão especificados na legilação.
A Constituição Federal prevê, no seu art. 223, que a radiodifusão brasileira deverá
conviver sob a égide da complementariedade, dividida entre os sistemas de radiodifusão
privados, públicos e estatais.
O sistema privado é aquele em que as entidades executarão o serviço com possibilidade
de exploração econômica da outorga, mediante inserção de publicidade comercial,
limitada a 25% da sua programação diária. Por serem destinadas a uso comercial, essas
concessões são obtidas de forma onerosa, mediante processo licitatório.
O sistema público divide-se em educativo e comunitário. O primeiro serviço funciona
com as mesmas características técnicas do sistema privado, mas com a peculiaridade de
que o conteúdo da programação deve ser exclusivamente educativo. Sendo assim, não se
permite a exploração econômica da concessão, vedado qualquer tipo de publicidade
comercial. Além do mais, as rádios e tvs educativas devem manter alguma ligação com
atividades de ensino superior, seja pela manutenção direta de uma faculdade, centro
universitário ou universidade, seja por convênio com alguma organização acadêmica. As
concessões de radiodifusão educativa são outorgadas de forma não onerosa, mediante
processo seletivo simplificado.
No tocante as emissoras comunitárias, essas possuem uma cobertura restrita, com vistas a
atender uma comunidade ou bairro/vila. O serviço é executado por associações
comunitárias, mantidas pelos próprios moradores das comunidades atendidas pelo sinal
da emissora. O intuito desse serviço é proporcionar um meio de comunicação que atenda
aos interesses locais. A rádio deve incentivar a cultura endógena, proporcionar lazer e dar
informações sobre a realidade do bairro, vila ou distrito, etc. Além de serem compostas
por pessoas que moram na área atendida pelo sinal, as associações comunitárias não
podem ter fins lucrativos. Por isso, é proibida qualquer a exploração econômica das
autorizações de RadCom. O financiamento da programação se dá exclusivamente por
meio apoio cultural. A autorização deste serviço é gratuita, mediante processo seletivo
simplificado.
Por fim, o sistema estatal é aquele em que a própria União executa o serviço diretamente,
através de seus Órgãos e Poderes.
Como já discutido acima, o PL visa a aumentar a potência do serviço de radiodifusão
comunitária para 300 watts, que é a mesma potência de uma emissora comercial da classe
C. Se isso ocorrer, haverá concorrência entre rádios comunitárias e comerciais, o que
desequilibrará a harmonia entre os sistemas público e privado previstos na Constituição
Federal. A concorrência entre os sistemas é tão mais preocupante quanto é distinto o
regime jurídico que regulamenta um e outro serviços. De um lado, temos as rádios comerciais, outorgadas de forma onerosa, com todos os rigores do processo licitatório,
limitadas à exploração econômica de 25% da programação; do outro lado, as rádios
comunitárias, autorizadas gratuitamente, mediante processo seletivo simplificado, sem
limites para irradiação de apoio cultural. A competição entre um e outo serviços é danosa
para ambos.
Vale dizer que, nos termos da Portaria nº 4.334, de 2015, que estabelece regras e critérios
para o Serviço de Radiodifusão Comunitária, a única distinção entre publicidade
comercial e apoio cultural é que, no primeiro caso, pode-se fazer menção a preços e
condições de pagamento, enquanto que no segundo, não. Como se pode ver, as diferenças
entre as duas modalidades de anúncio publicitário não são suficientemente grandes a
ponto de impedir que comunitárias e comerciais compitam pelo mesmo nicho de
mercado, se a potência dos transmissores for igual. No entanto, os encargos que recaem
sobre as comerciais são desproporcionalmente maiores em relação aos das comunitárias.
Isso, evidentemente, desequilibra o arranjo constitucional dos serviços de radiodifusão.
Ademais, a justificação para as alterações propostas no PLS nº 513, de 2017, ressalta que
"a alteração não visa a possibilitar a cobertura de múltiplas comunidades, bairros ou vilas
pela mesma rádio comunitária, o que desvirtuaria a essência desse serviço. O que se
pretende é viabilizar a operação do serviço em regiões rurais, nas quais a cobertura de
uma única comunidade exige alcance maior que o atualmente estabelecido, em
decorrência da típica dispersão dos moradores". O que se vê no texto proposto, no
entanto, não é a situação descrita na justificação do Projeto de Lei, pois o aumento de
potência poderá desvirtuar o serviço de RadCom, de forma que o alcance do sinal
extrapolará os limites de uma comunidade ou bairro. Com 300 watts de potência, é
possível que a programação da rádio chegue a cobrir todo ou a maior parte do território
municipal, e até o de municípios vizinhos. O consequente aumento do número potencial
de ouvintes implicará maior valor econômico da outorga, sem uma equiparação do
regime jurídico das rádios comunitárias, para regulamentar a nova realidade.
O ministério não enxerga ser razoável, portanto, a promoção de semelhante alteração das
características do serviço de RadCom. Caso as associações comunitárias queiram atingir
um maior número de ouvintes, elas podem participar de um processo licitatório para
outorga de uma rádio comercial, ou de um processo seletivo para rádio educativa,
seguindo, depois, o respectivo regime jurídico de cada serviço.
CONCLUSÃO
7. Por todo exposto, esta Secretaria manifesta-se contrária à aprovação do Projeto de Lei do
Senado nº 513, de 2017.
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